- O problema do YouTube é o problema da internet
- O minimalismo digital é não estar no digital
- Aplicando na prática
- Bibliografia
- TODO

Neste texto, eu apresento o que é Minimalismo Digital e o que não é. Em seguida, faço um resumo de partes importantes de um livro importante. Por fim, listo dicas de como aplicar princípios práticos para uma vida mais intencional e menos dependente de telas.
Após ter Covid-19, percebi uma deterioração da minha capacidade de concentração. Talvez fosse um brain fog como sequela, talvez fosse coincidência por ter acontecido ao mesmo tempo em que me mudei de cidade e passei a morar sozinho pela primeira vez.
De qualquer forma, ao procurar formas de minimizar os estímulos vindos das telas do smartphone e do computador, me senti fascinado pela ideia de controlar as distrações por meio do aprimoramento dos meus ambientes digitais. Assisti a dezenas (talvez centenas) de vídeos sobre o tema, a maioria sugerindo dicas como esconder viciantes apps da página inicial, diminuir a quantidade de apps instalados, diminuir a quantidade de notificações etc.
Por bastante tempo me utilizei desse tipo de concessões, até perceber que elas eram parte do problema. É como num rodízio de comida japonesa pedir canudos de papel porque contribuem para salvar a fauna marinha1.
Um desses vídeos era diferente. Ele se chamava Digital Minimalism2 e nele o autor mostra como organiza seu laptop e seu smartphone. Foi brutal: Área de trabalho e home screen sem papéis de parede e sem ícones, dock do Mac escondida, explorador de arquivos com apenas os ícones que parecem essenciais, navegador sem favoritos, sem speed dial.
Havia algo diferente na forma como o autor do vídeo buscava utilizar o computador e o celular apenas para cumprir seus objetivos, nada mais. Não era para parecer minimalista, era para tornar computador e celular ferramentas, usadas estritamente para cumprir os objetivos para os quais foram designadas.
O problema do YouTube é o problema da internet
O que nos leva ao lugar que internet se tornou: onde quase nada mais é autêntico e as relações são intermediadas pela criação de conteúdo em troca de visualizações, cliques e atenção de anunciantes. Isso é errado? Como prática, não necessariamente. Como razão para optar pelo cinismo em vez da honestidade, absolutamente. O seu youtuber minimalista precisa que você consuma mais conteúdo sobre consumir menos conteúdo porque a sua atenção é uma moeda de troca. A intenção dele sempre será te incentivar a passar mais tempo buscando dicas sobre como melhorar na sua busca por menos, até que você perceba que sem ele você nunca conseguirá ser um minimalista melhor. Toda mudança, por mais brusca que seja, se não for revolucionária, se não demolir o estágio anterior, não passa de uma morna rebeldia — como a do Daniel Kaluuya no final de Fifteen Million Merits (Black Mirror, S01E02)3.
Esse comportamento ridiculamente contraditório, irritante a ponto de me dar vontade de desistir da internet, me fez lembrar daquele vídeo brusco do Kraig Adams. Na verdade, ele se inspirou em um livro chamado Digital Minimalism: Choosing a Focusing Life in a Noisy World, do cientista da computação e escritor Cal Newport. É esse livro que organiza o pensamento sobre a importância de não fazer concessões para se viver uma vida com intenção e propósito. A seção abaixo é um compilado de algumas de suas ideias centrais.
O minimalismo digital é não estar no digital
O Minimalismo Digital é uma filosofia sobre o uso da tecnologia na qual você foca o seu tempo online em um pequeno número de atividades cuidadosamente selecionadas e otimizadas que fortalecem as coisas que você valoriza. Todo o restante, você ignora. [Newport, Cal., p. 28. Tradução livre]
Diminuir consideravelmente o tempo que passamos olhando para telas pode parecer uma decisão brutal. A verdadeira mentalidade chocante é aceitar como normal a quantidade de tempo que desperdiçamos consumindo a maior parte dos conteúdos disponíveis online. Não é sobre fazer concessões, não é sobre estética; é sobre romper com uma verdade que nos foi apresentada como o processo de inovação inexorável em direção ao futuro da tecnologia — inovação essa trazida pelos mesmos tech bros que inventaram a Economia da Atenção e que lucram bilhões à custa da deterioração dos nossos relacionamentos pessoais e da nossa incapacidade de focar nas coisas que importam (Newport, p. 199).
O minimalismo digital é a ferramenta para nossa libertação.
E o curioso é que você vai percebendo que o caminho não é em direção a uma internet melhor. O livro “Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais4”, do Jared Lanier, passa a soar menos radical. Você se convence de que o caminho é um retorno a um estilo de vida onde a internet possui um papel nada mais do que secundário e instrumental.
O poder de um computador de propósito geral está em todas as coisas que ele permite o usuário de executar, não nas coisas que ele permite que o usuário executa todas ao mesmo tempo (Newport, p. 228)
Abandonar o comportamento padrão da maioria das pessoas, que é o de adotar novas tecnologias considerando apenas seus benefícios, significa abandonar o que o autor chama de maximalismo. Isso também significa ser pró-tecnologia; apenas de uma maneira mais tática.
O minimalismo digital definitivamente não rejeita as inovações da era da internet, apenas rejeita a forma com a qual muitas pessoas engajam com essas ferramentas (Newport, p. 253)
Nesse processo de reflexão, usualmente há uma descoberta de atividades — novas ou antigas — fincadas no mundo analógico, baseadas em atenção verdadeira, que deixamos para trás há anos ou que acreditamos nunca ter tempo suficiente para dedicar a elas. Essa reflexão é possível a partir do momento em que identificamos atividades de pouco valor que nos tomam tempo e atenção e as enxotamos, abandonando o maximalismo.
É parecido com a metáfora do Bastter5 sobre tratar o mercado financeiro como um supermercado. Você entra lá, compra o que falta e volta para sua casa. Você não se importa se o mercado está indo financeiramente bem, você não se interessa em saber o nome do gerente do supermercado. Assim como o supermercado, o mercado financeiro é um mal necessário através do qual você compra ações na Bolsa. Com tudo que existe na internet, é uma experiência similar.
Não é uma decisão tão brutal assim escolher a dedo aquilo que você ativamente aceita trazer para a sua vida, considerando a quantidade de distrações que a internet oferece. Ao perceber que existe um maquinário inacreditavelmente sofisticado apontado para o seu cérebro e cujo propósito é te fazer passar todas as horas possíveis do seu dia o mais longe possível de uma vida intencional, passar a tratar a internet também como um mal necessário se torna uma consequência lógica. A forma como o digital nos é entregue é uma violência contra uma vida focada.
O livro do Cal Newport é excelente e eu recomendo a leitura. Eu acabei lendo a versão original e não conheço a pessoa que traduziu para o português brasileiro, mas imagino que deva valer a pena igualmente caso você prefira a versão traduzida.
Listados e resumidos alguns dos pontos-chave do livro, apresento uma lista de mudanças na forma como uso ferramentas digitais que transformaram a minha experiência para melhor ao longo dos anos.
Aplicando na prática
[Meu desktop Linux, BTW]
Distrações visuais
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No seu navegador, você pode remover os ícones de extensões que não utiliza todos os dias. De tempos em tempos, é interessante checar as extensões não usadas, que ficam esquecidas ali, e desinstalá-las.
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Eu escondo a dock do MacOS — até por uma questão de espaço. Nela ficam apenas meu navegador, meu editor de código e um atalho para as pastas Applications, Downloads e Screenshots
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Na menubar do Mac, uso um app chamado ICE para esconder itens que, ou não preciso ver, ou não são usados diariamente.
Navegador
- Meu navegador não possui barra de favoritos. Organizo meus links salvos em duas grandes categorias: ler depois e salvar para referência. Os para ler depois são enviados para o Instapaper; os salvos para referência futura, para o Raindrop.
- No computador do trabalho há uma exceção: o navegador possui uma barra de favoritos com pastas contendo itens de acesso rápido que utilizo diariamente. É similar à lógica da tela principal do smartphone.
- Minha tela inicial é uma tela em branco, vazia. Nada nela pode me induzir/distrair a fazer qualquer coisa diferente daquela que me motivou a abrir uma nova aba ou janela.
E-mail: Inbox zero
Como o nome já, diz a técnica do Inbox Zero significa não ter nenhum e-mail na Caixa de Entrada. Eu tenho uma tarefa no Todoist que me lembra a cada três meses de organizar e limpar e-mails.
Aliado a isso, também uso aliases de e-mails temporários que podem ser facilmente deletados se algum serviço tentar te enviar spam ou e-mail marketing.
Uma outra tática é criar filtros, para que e-mails de um mesmo remetente sejam motivos automaticamente da Caixa de Entrada para uma pasta específica. No meu e-mail do trabalho, por exemplo, mensagens do RH caem automaticamente em uma pasta chamada RH.
Bibliografia
- Newport, C. (2019). Digital Minimalism: Choosing a focused life in a Noisy World. Portfolio/Penguin.
- Antiminimalist. Minimalists don’t want you to be content. Disponível em: https://medium.com/@antiminimalista/minimalists-dont-want-you-to-be-content-11adadbd5f1d. Acesso em: 23 abr. 2025.
TODO
- Atualizar os screenshots no texto e apagar os não usados/antigos/depreciados.
Footnotes
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O Leandro Karnal utiliza esse exemplo no episódio do podcast “Platitudes” sobre Cultura Woke. ↩
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É impossível linká-lo na Bibliografia, pois o vídeo hoje encontra-se não listado/oculto. ↩
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No episódio S01E02 da série Black Mirror, o protagonista dá um jeito de subverter o sistema no qual é aprisionado apenas para descobrir mais tarde que sua revolução foi tão inócua que se tornou mais uma das muitas propagandas mostradas aos outros trabalhadores. ↩
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LANIER, J. Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais. [s.l.] Editora Intrínseca, 2018. ↩
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Educador financeiro ↩